29.12.12

Matryoshka - Capítulo 1


Ando pela rua, com meus passos tortos compassados.

‘’1,2-1,2’’


Sinto meu cabelo verde ser bagunçado pelo vento gélido típico da Rússia, enquanto eu apertava meus olhos multicoloridos na tentativa de enxergar na densa neblina da noite. Não demoro muito para ver a grande construção de tijolos, a casa de costura.

O gato preto que costumava a vagar pela vizinhança levantou preguiçosamente do carpete que fica na frente da porta, e vem até mim. Agrado-lhe a cabeça com a mão cujo braço não está danificado, mesmo sabendo que o cheiro dele ficaria impregnado no tecido. Eu não ligava. Eu não veria ninguém mesmo, por enquanto. Não enquanto eu estivesse despedaçada desse jeito.

Entro no edifício, ainda com o pequeno me seguindo. Olho as prateleiras da loja, pegando apenas dois pequenos rolos de linha preta, um pedaço de pano cor de pele e uma agulha. Eu precisava me recosturar novamente.

– Gumi? – Escuto o dono da loja me chamar. Ele devia ter notado os ruídos.

– Senhor. – Respondo com a minha voz rouca, enquanto passava a linha na agulha, e começava a remontar o meu braço.

– Está soltando outra vez? – Ele perguntou, parecendo cansado. Eu sabia o quanto ele estava tentando pra fazer isso parar de acontecer, mas não se podia evitar. Eu havia sido feita a muito tempo. Uma boneca-viva feita por algumas partes humanas juntas ao pano. Obviamente, os tecidos e a carne uma hora começariam a se decompor. A aceleração desse processo também foi culpa minha, por ficar andando por ai, de dia. As pessoas nunca falavam comigo. Eu era sempre, a louca, a remendada. Se elas tinham horror de mim sem saber que eu não era humana, imagine se soubessem. Eu fui burra.

– Sim... – Eu digo sem olhar pra ele, e terminando o meu trabalho.

Ele ficou me olhando por um tempo em silêncio. Eu podia ver claramente o quanto ele se culpava pelo estado que eu estou.

Passo por ele, subindo para o próximo andar, onde ficavam os livros que ele guardava. Corro meus olhos pelas extensas prateleiras, em busca de algo que me fosse interessante entre os livros de capa marrom escura.

Ouço o pequeno gato miar enquanto derruba um livro de capa desgastada e verde. Pego o livro, mas apesar do meus esforços, não consigo entender o título. Kalinka? Malinka? O que era isso?

Olho pela janela, já iria amanhecer. Pego o livro e saio dali rapidamente, eu já não poderia voltar pra casa se amanhecesse.

–---

Ao chegar à velha casa aparentemente abandonada em que eu ficava, sento no velho sofá mofado, fazendo a poeira subir. Abro o livro que eu havia pegado na casa de costura, mas não consigo entender muita coisa já que as páginas estavam manchadas. De qualquer forma, estava cheio de imagens de plantas, não devia ser nada demais, afinal. Entusiasmei-me a toa.

Viro a página desinteressadamente. Consegui finalmente identificar uma palavra no meio de tantas. Matryoshka. Meu criador já me chamou diversas vezes por esse nome. E mesmo que não tivesse nada a ver comigo, o que aquilo fazia no meio de um livro de plantas?

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